Strips (da Alma)

Friday, March 25, 2005

De janela fechada mas de coração aberto

Tenho pena dos que pelo caminho encontram sempre as portas fechadas, dos que se cruzam sempre com os obstáculos, dos que correm sempre para os caminhos sem saída. Mas sinto ainda mais comiseração daqueles que, como eu, para além de terem sempre as portas da vida, da esperança e da felicidade fechadas, nunca encontram uma janela aberta. Daqueles que, como eu, já não acreditam em saídas fáceis, daqueles que já viram tudo, daqueles que já olharam a dor nos olhos, daqueles que como eu tentam sobreviver todos os dias a eles próprios.
Podia ter sido uma criança infeliz. Gorda, demasiado grande e tonta para ter amigos, fui empurrada para fora do círculo pela crueldade natural das crianças. Fui, desde cedo, observadora, personagem secundária, vulto sem rosto nem nome, massa a que ninguém amava, de quem ninguém sentia falta ou pena, ou vontade simples de abraçar e de dizer “vai ficar tudo bem”. Era a menina que fica sempre nos baloiços e que não desenha com cores. Era a gorda, a desajeitada, o patinho feio que nunca se transformaria em cisne. Nunca. Só repararam em mim mais tarde, já na escola primária, quando me pediam para ler as histórias do livro, quando queriam sonhar ao som da minha voz que se atrapalhava pouco com as letras e as frases, que as percorria, na sua natural simplicidade de histórias infantis.
Quando não era a hora da história eu despia a minha faceta de Sherezade e voltava a ser a menina desajeitada e gorda, que ninguém conhece, que ninguém quer conhecer. O vulto sem nome nem rosto que vagueava pelo pátio, dois ou três livros aos quadradinhos debaixo do braço, lidos às escondidas na aula, uma corda para saltar desajeitadamente, atrás do pavilhão, onde não há ninguém. Um casal de namorados que não tem medo de mim, que troca livros aos quadradinhos comigo é a minha única companhia.
Fim da escola, inicio do pesadelo. Arrastava o meu corpo gordo, desajeitado e demasiado grande para a idade até ao colégio, invejando profundamente as minhas coleguinhas, que vestiam saias pelo joelho e meias à riscas, e que eu admirava da janela fechada do colégio, com o coração aberto e cheio de esperança de um dia ser como elas, de um dia deixar de ser um vulto gordo e grande, sem rosto nem nome, e passar a ser alguém, assim como elas, alguém que as pessoas soubessem o nome e a morada, alguém que tivesse amigos nas festas de anos, alguém a quem era uma honra emprestar as canetas, alguém cujas palavras eram um prémio chorudo e sonhado pelas centenas de crianças que não tinham lugar no palco e que, como eu, observavam.
Da minha janela fechada via o mundo. Da minha janela fechada via como era ser uma barbie real, como era ser popular, como era não ser um vulto, como era ser importante. Via como os meninos corriam atrás de uma bola, alheios a tudo. Via como as meninas das saias pelo joelho vestiam e despiam as bonecas e como olhavam pelo canto do olho para os meninos. Via e ria-me quando elas choravam só porque tinham rasgado a meia ou sujado o sapatinho. E, sem saber, era feliz. E, sem saber não sabia que sofria por não ser como elas. E, sem saber, sonhava através da janela fechada, e era, por momentos, uma delas, e, por momentos, era importante e real. E era uma realidade vazia e supérflua, como todas as realidades, e, por isso era feliz.
Hoje perdi essa capacidade de viver uma realidade em que as pedras são só pedras e as flores apenas flores. Hoje já não encontro a felicidade na utopia de um sonho irreal, falaz, ufano. Hoje, da minha janela fechada, choro, com o coração aberto, à espera de alguém que já não vem. Da janela fechada olho a rua e os caminhos e tento neles adivinhar o regresso de quem me fez acreditar que eu não era apenas um vulto sem rosto nem nome, que eu era uma personagem principal, esse que me fez feliz e vazia e tão cheia da pueril alegria de quem não é mais do que é e não tem mais do que tem.
Tenho pena de ter de novo a porta e a janela fechadas. Tenho pena de ter perdido a esperança. Voltei a ser o vulto sem nome nem rosto que vê o mundo de uma janela fechada, mas sempre de coração aberto.

Morgaine

2 Comments:

At 11:54 AM, Anonymous Anonymous said...

Em 1º lugar Parabéns pelo novo blog e pelo texto, como smp ta mto bem escrito, e notaxe k escreves c a alma e c o coração! Podes pensar k n és ninguem, k és feia, gorda etc, m acredita k pelo - para mim és uma amiga, sei k poxo smp contar ctg, msm kando tas mal ouves-me e tenho de te agradeçer por ixo. E eu considero-te uma pessoa corajosa, pk eu sei k a tua vida n é nd facil m msm axim tu n desistes, e n das a parte fraca à frente dos outros. E tu sbs k já ajudaste mto gente, mta k talvez n merecia, k so keriam a tu ajuda por interexe. m pelo - consegues ajudar e tens bom coração por ixo n penses k n és ninguem e k n sabes fazer nd!!

 
At 8:11 AM, Blogger O Poeta Chanfrado said...

este
dois textos são o prinvipio de uma aventura k n kero terminar tão cedo.
Um livro á nodds medida, um livro que retrate a sociedade em nós e nós nela como neste texro em que te alheias de ti mas n do k se passa em redor...axo que n é bom mas no entanto é akilo que sentes e akilo k consegues escrever,,,
Beijoss miguinha!

 

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